quarta-feira, 7 de março de 2007

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No meu ramo de trabalho a coisa funciona mais ou menos assim. Pedem um orçamento para um serviço. O orçamento é detalhadamente elaborado. Entregamos um valor final para a entrega do serviço pronto. O valor do trabalho só é alterado caso o cliente exija mudanças substanciais no projeto, forçando a elaboração de outro orçamento compatível com essas mudanças. Mas isso pode gerar transtornos como quebra de contrato, uma vez que o valor e o projeto iniciais já estavam previamente acertados. Simples. Muito simples.


Quando se trata de um projeto grande, é claro que nada pode ser tão rígido e algumas variações nos valores podem ser normais. Normal quer dizer entre 10 e no máximo 20% além de um valor pré-determinado. Mas isso é muito raro de acontecer.


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Por que escrevo isso? Por isso, isso e isso (esses dois últimos só para assinantes). Tem mais, é só procurar nos jornais qualquer notícia relacionada ao Pan. Se não me engano saiu alguma coisa no Globo também.


Como eu falei, é só esperar que as farsas vão aparecendo sozinhas. Copio e colo abaixo a manchete da Folha de São Paulo só para dar uma idéia do absurdo.


Gasto público com o Pan aumenta 684% em 5 anos

Orçado em R$ 409 milhões em 2002, evento já tira R$ 3,2 bi dos cofres oficiais

Maior estouro relativo é o do Estado do Rio, que saltou de R$ 31 milhões para R$ 500 milhões, o que equivale a um aumento de 1.513%


Não tem como explicar, mas vou tentar. Vejam se faz mais sentido do que esses números.


Ninguém em sã consciência poderia aceitar a realização de um evento internacional do porte de um Pan-Americano nesse brejo que é o Rio de Janeiro. Mesmo assim os nossos gananciosos prefeitos e governadores acharam que pegaria bem candidatar o vilarejo. A possibilidade de embolsar enormes quantias de dinheiro também deve ter feito com que as construtoras pressionassem e fizessem lobby a favor da má idéia. Sabendo que carioca é bicho fácil de enganar, resolveram criar uma pequena armação para fazer todo mundo concordar com a realização do Pan aqui. Para isso inventaram um orçamento irreal, mirabolante, muito abaixo do que sabiam que custaria o evento só para não dar na pinta que a proposta é perdulária. Deve ter acontecido mais ou menos como no diálogo hipotético:


Dirigente 1: Esse Pan tem que vir pra cá.


Dirigente 2: Custa caro, a população vai ver que não faz sentido.


Gestor de comitê 1: Então coloca qualquer preço nessa porra. O importante é dar a idéia que tudo vai sair nos conformes.


Presidente de comissão 2: Depois a gente dá um jeito, quando não for mais possível voltar atrás.


Posso estar só delirando.


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Na época que anunciaram a “vitória” do Vilarejo do Rio de Janeiro falaram de coisas como metrô e outras melhorias que poderiam começar a transformar esse brejo em uma cidade. Sobre isso, imediatamente disse as palavras proféticas para minha mãe que, igualmente perplexa, tomava conhecimento das notícias.


“Mãe, escuta o que eu te falo. Nada disso vai acontecer”.


Logo depois me calei para agora, só então, poder ouvir do mundo que mais uma vez o João tinha razão.

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